domingo, 8 de agosto de 2010

a parada ou só os fortes sobrevivem

o cérebro da gente é impressionante. fico apavorado com a capacidade de adaptação dele; com as estratégias que ele usa para nos preservar de momentos de stress físico e mental; com a sua fragilidade e força, ao mesmo tempo.

era um sábado de manhã como qualquer outro, mas não pra mim: eu mal acordei e estava tendo uma parada cardiorrespiratória na enfermaria do hospital sarah, na minha cama. tive sorte. uma enfermeira passava por perto da minha cama no exato momento em que eu estava entrando em síncope. ela chamou o enfermeiro-chefe que prontamente montou em cima do meu corpo desfalecido e começou os procedimentos de revitalização. nisso a equipe da uti já estava a caminho. fui entubado ali mesmo e levado para a uti. até então eu estava totalmente inconsciente, sem saber de nada do que estava acontecendo. eu não sabia que a minha vida estava em jogo ali, deitado e entubado naquela cama.

o primeiro flash de sobriedade veio mais tarde, quando recebi uma visita. nesse momento eu achava que estava sonhando. até que eu comecei a perceber coisas sutis, mas que foram me dando a dica de que aquilo não era uma brincadeira de mau gosto. a principal era ver um canto do hospital de base de brasilia, que da enfermaria onde eu estava ficava bem abaixo do nível do 5o. andar; ali, naquela situação, eu estava no 2o. andar. mas até então eu não sabia o porquê de estar ali, naquela situação, entubado, amarrado e muito agitado. só sabia que eu estava na cama número 5 e que eu não conseguia falar nada.

o segundo flash veio depois, não sei quando, em um momento em que eu consegui soltar o braço esquerdo das amarras e fui direto ao tubo que mandava oxigênio para os meus pulmões. eu quebrei esse tubo duas vezes, mas não dessa vez, pois uma enfermeira viu a tempo que eu havia me soltado e veio correndo me segurar. não me orgulho de ter quebrado esse tubo duas vezes. eu não lembro de absolutamente nada. não lembro que meus pais já estavam junto comigo nesse momento.

acordei cinco dias depois, sem nenhuma sequela cognitiva ou motora. fiquei um dia grogue por causa dos remédios. foi quando me explicaram o que aconteceu comigo e as prováveis causas da(s) minha(s) parada(s) cardiorrespiratória(s). sim, eu tive mais uma parada quando já estava na uti. a causa de tudo isso foram os remédios opióides que eu estava tomando. seguido de uma pneumonia.

acordei, cinco dias depois, agradecendo ao meu anjo da guarda por mais esse salvamento da minha pele. pesando tudo na minha vida pregressa e calculando meticulosamente os passos da minha vida por vir. ouvi dos médicos da uti que só os fortes sobrevivem a duas paradas cardiorrespiratórias. me senti mais forte dali por diante.