quinta-feira, 6 de maio de 2010

as duplas horas

você, leitor que conhece jaguari, já sabe: as horas aqui duram duas horas !

nasci no dia cinco de abril de 1977, no hospital de caridade de jaguari, às 11h10 da manhã, com fome, segundo a minha mãe. tinha 3,100kg e, sem ninguém saber, eu tinha um problema, um defeito de nascença chamado estenose congênita do piloro, ou, segundo a minha vovó ida: "o guri nasceu com as tripas entupidas". aos 37 dias de vida, magro, e vomitando tudo o que me davam para comer e beber, quase já sem chances de continuar vivo, fui submetido a um raio-x com contraste, no qual o dr. acacio descobriu meu problema congênito. aos 38 dias de vida, dia 13 de maio de 1977, pesando 2,800kg, fui operado, com sucesso. é assim que começa a minha história.

minha infância foi tranquila, em cidade pequena, você sabe como é, estimado leitor, não há muitos perigos. então eu era um menino abusado. eu sempre testava os meus limites, os limites dos outros, das coisas, do tempo... ficamos em jaguari até os meus quase 16 anos. quase tudo na minha vida que eu fiz por primeiro, o fiz em jaguari.

muitos jaguarienses saíram da cidade, em busca de novas oportunidades, de uma vida nova, ou simplesmente por que não aguentavam mais viver duas horas a cada hora do relógio. as missas em jaguari são intermináveis. chegar de um lugar a outro na cidade, apesar de levar cinco minutos, demora dez! e o que dizer das noites... no inverno, as noites em jaguari tem cerca de 20 horas. você já pensou, caro leitor, 20 horas sob o breu da noite! no verão, as noites quentes, úmidas e abafadas tem 14 horas.

desenvolvemos uma teoria na qual jaguari fica num ponto geográfico único no planeta, alinhado de forma extremamente singular com a via láctea. isso faz com que o tempo em jaguari seja dobrado, e faz também com que tudo, toda a matéria universal, tenha passado por jaguari em um dado momento do tempo na nossa existência. mesmo sem saber, você, sim, você mesmo!, leitor, já deve ter passado por jaguari numa dobra espaço-tempo, e nem sabe. você não sabe onde fica jaguari, mas já ouviu falar, ou ouviu alguém falando. você pode não conhecer um jaguariense, mas conhece alguém que conhece, com certeza. isso não lhe parece... estranho, arguto leitor? enfim...

eu sempre achei que eu seria o jaguariense mais famoso. que eu seria um presidente da república, um piloto da nasa ou um físico ou compositor brilhante. mas aos poucos as minhas aspirações foram se apagando. presidente da república não pode ir mal no colégio, diziam (que bizarro né, termos, hoje, um presidente semianalfabeto); piloto da nasa, isso é coisa dos americanos, onde já se viu (mas que gozado, um brasileiro voou numa nave espacial da nasa há pouco tempo, não); um físico eu não seria nem querendo, soube no momento em que recebi a minha primeira prova na escola (4,2); um compositor, um músico, vi que não dava pois na minha primeira tentativa de aprender os acordes de uma música, desisti, decepcionado com a minha inaptidão para com o instrumento. mas eu sempre me lembrava que na minha formatura do prézinho eu dissera: "quando eu crescer eu quero ser professor!", fiquei muito tempo pensando, que ridículo, professor.

e assim, aos poucos, eu fui deixando de lado os meus sonhos e fui crescendo, vivendo e indo com a onda da vida. passei por vários lugares, conheci várias pessoas, vivi muitas coisas que não teria vivido, se tivesse ficado em jaguari.

eu nunca fui de brigar. não sou nem nunca fui aquele tipo de menino encrenqueiro e brigão. eu era destruidor. gostava de quebrar coisas, testas limites, como já foi dito. e desde cedo eu fui inclinado a amar as mulheres. meu primeiro amor platônico foi a dani, uns sete anos mais velha do que eu. a conheci na dia do aniversário de 15 anos da minha prima, que era colega dela. a cada dia eu amava uma mulher diferente: a pati, a ju, a caren, a dani, a mel... eu era um sonhador. sonhava com aquelas gurias todas, a cada dia apaixonado por uma delas. eu mudava de cidade, mas os amores continuavam, a carol, outra dani, a ju, a fer... sempre mudando, mas sempre me apaixonando; a grasi, a clau, a gi, a lu, a be... e elém dessas que eu citei, houve quatro grandes amores na minha vida, e isso já foi dito também, eu acho. se não foi, eu não vou falar por que não interessa agora. não que não sejam importantes, foram os que eu consumei, mais ou menos, vivi, fui parte e fiz a diferença. outra hora eu conto sobre eles, se elas me deixarem... =)

mas assim como as horas em jaguari duram duas horas, o meu amor por essas gurias/mulheres era dobrado. nunca foi um gostar ou um querer beijar ou transar, era amor mesmo. eu me apaixonava de ficar olhando com a boca aberta, babando, contemplando... os cabelos, os contornos do corpo, o jeito de caminhar, a postura, o jeito de falar, o rosto, tudo. eu era muito observador. acredite, caro leitor, leitora, eu me apaixono assim, sempre. é intenso, é forte, é único. isso tem um lado bom, e tem um lado ruim, como tudo na vida. mas aos poucos eu fui aprendendo a lidar com o sofrimento advindo dos amores não correspondidos ou dos fins dos amores correspondidos.

entretanto, assim como as horas em jaguari duram duas horas, o meu amor por estas criaturas maravilhosas demora para ir embora. demora o dobro. mas passa, vira amizade, carinho e posso dizer que nenhuma delas me odeia. tenho certeza de que todas me querem bem e quando pensam em mim, pensam com carinho.

porque eu resolvi escrever tudo isso? importa? nesse momento, eu estou em jaguari, escrevi este texto em uma hora, mas parece que foram duas. nessas duas horas eu ri, chorei, me emocionei, lembrei de coisas engraçadas e de outras nem tanto, mas foram duas horas agradáveis. é o que importa.