sexta-feira, 9 de abril de 2010

é uma questão acima da sobrevivência

sabe quando a gente anda pela rua e vê um mendigo, uma prosti ou uma daquelas figuras conhecidas pela falta de algum membro, superior ou inferior, ou pela sua loucura... aquelas pessoas que vem lhe pedir dinheiro no vidro do seu carro, ou na esquina da sua cidade. que lhe puxa pelo braço, às vezes, de desespero...?? sabe, visualizou?

quando passamos por estas pessoas na rua, qual é o primeiro pensamento que nos vem à cabeça? sem hipocrisia. vamos lá. pense bem. no fundo, você sabe o que pensa. é. isso mesmo. colocou a mão lá no fundo do cérebro e lembrou né... "o que essa criatura tá fazendo aqui, desse jeito, por que não se mata de uma vez e para de sofrer". generalizando, a pergunta que a grande maioria dos "seres humanos" fazem é essa, ao se deparar com tal situação.

eu sempre me fiz essa pergunta. eu costumava me fazer essa pergunta, caso um dia algo de ruim acontecesse comigo. tipo... se eu perdesse uma perna, se ficasse sem um braço, se tivesse que pedir esmola na rua, se me acidentasse e perdesse o movimento dos meus membros, etc. esse tipo de pergunta catastrófica que a gente sempre se faz quando vê uma situação parecida na televisão, ou na novela (que instrumento mais educativo, as novelas, não? principalmente essa que passa agora, às 21h). enfim, a minha resposta era sempre a mesma: prefiro me matar! afinal, esse tipo de coisa só acontece na tv, não? mas... peraí... uma dessas coisas aconteceu comigo !

caralho (desculpe, cinderela)! eu me acidentei. lesei a minha medula. sofri um TRM. perdi o movimento das minhas pernas, não sinto nada das costelas pra baixo. foi um acidente feio. na hora já não sentia minhas pernas. fiquei em uti. tomei muita morfina. fiz duas cirurgias. tenho um punhado de parafusos e barras nas minhas costas. essa merda toda dói todos os dias.

você, estimado leitor, sabe quantas vezes eu tentei me matar, desde que isso aconteceu comigo? NENHUMA! (quebrando a regra das letras maiúsculas do blog de novo. e você sabe o porquê disso? por que é uma questão que está acima da sobrevivência humana. simples assim. a gente tem esperança, a gente acha que vai resolver tudo, que tudo vai dar certo, que no fim, tudo sempre dá certo. não tem como dar errado. você acha que eu sou diferente daquele cara sem os pés que anda pedindo esmola na rua no centro da cidade? a minha esperança de um mundo melhor é a mesma dele. o meu desejo de ser igual aos "seres humanos normais" é a mesma dele. o desejo dele ter uma vida melhor é o mesmo que o meu. porra!

e sabem o que me deixa puto: é ver o amigo dentro de uma camionete mitsubishi 4x4 falar para o amigo do lado dele que o cara aquele, que pede dinheiro faz isso de propósito, e ainda comenta, debochadamente, "esse aí ó, ganha cenzinho por dia, vezes 30 dias, dá três paus!, mas ele continua ali, mendigando. baita sem vergonha. como é que ele não consegue viver com três paus por mês, me diz!?!".

eu odeio essa pseudo-elite branca, ariana, debochada e sem escrúpulos, que joga lixo na rua e que não mede esforços em driblar os impostos e suborna até a própria mãe, mas que não tem um mínimo de consciência social, que nunca parou pra pensar em outra coisa do que em si mesma. que não tá nem aí para o ser humano que está do lado dela, que não se importa com o meio-ambiente em que vive e que não colabora com nada que não dê algo em troca.

isso, senhores, se chama hipocrisia.

eu já debochei do mendigo, mas meu acidente me fez ver que eu não sou nem um pouco diferente dele.

nenhum de nós o é.